05 junho, 2006

do horizonte para cá

«Ando novamente a devorar Poesia, a viver e a sentir Poesia. Fernando Pessoa dizia: Aconteceu-me um poema. A mim não me acontece nada.»

Paulo Figueiredo


Digo-o em três cornucópias da esferográfica; que me lapidem aqui mesmo como Santo Estêvão numa Jerusalém de fórmica e estopa de lã, se não destapo na minha arca de enxoval, entre guardanapos de linho e um saco bordado, PÃO!, o engenho de o dizer, os fragmentos de abecedário que o ensejo pede, pedrinhas e mais pedrinhas de um mosaico de Cartago.
- Eu até ia jantar consigo, palavra que ia, eu fique já aqui aleijadinha para o resto da tarde, Deus me livre, ora então não ia, que o mesmo é dizer por que razão não haveria de ir, se o senhor é tão simpático, um repuxo de obséquios, um calço eterno a segurar as portas quando saio ou entro, um retrato a sépia a sorrir-me sem luz pelo canto da pálpebra quando digo olá, mas que importa lá isso, juro-lhe que até ia jantar consigo, mas ando muito ocupada.
Quantas e quantas vezes esmaguei a mandíbula no betão armado de uma folha de papel, a esvoaçar para parte nenhuma num langor de varejeira estropiada, de analepse em analepse, de uma linha para outra numa ciática do verbo.
- Qualquer dia.
Tremeluzem-me os olhos à passagem desse cacho de cabelos cor de trigo maduro, e quando a luz glauca feita de sebes e sol embebeda a sala por entre as lâminas das persianas, o que nem sempre sucede, soçobro num abandono de penitente e cuido ouvir-te dizer, na tua voz de leite-creme, exaltata sum quasi plantatio rosae in Jericho.
- Mulieres apostatare faciunt sapientes – respondo sem reflectir, o casco dos meus olhos a fundear na baía dos teus quadris.
Disse-o bem?