29 junho, 2008

areia branca

Gosto da tua pele de manhã. Da subtileza no teu quadril, de oriente a ocidente sob a palma da minha mão entontecida. Revejo-me no vagar do teu corpo de leite, solícito, a aguardar-me numa volúpia de leoa a espreitar gazelas por entre o mato. Vou ao topo das escarpas e precipito-me sem cuidar que a maré vaza desde cedo e que não há vento suão que me ampare a queda.
- Amo-te.


Além há um forte solitário, esmaecido na cor e na esquadria. Paimogo. Agora o vento sopra já frio, a tarde embalada em pendor oblíquo, como os canaviais na moldura da estrada. Somos. Assomos de ternura num arrepio de morrinha e salitre, o tecto do mundo a escurecer num negrume furioso. Eis-nos. Dois. Um, em suma. Deixamos tracejados na terra cor de sangue, rumamos a parte alguma, que importa o onde se podemos ir a todo lado, a Antananarivo, se quisermos, a Saigão, ao Cairo, onde há um cheiro de morte doce e uma cidade dos mortos habitada por vivos. Debaixo do sol de Assuão, à beira do lago Nasser, vemos um voo elíptico de íbis e provamos a doçura de um chá de menta, dos teus lábios para os meus.
- Eu também.
Gosto de teu cabelo neste areal. Da forma como oculta e desvenda o mármore do teu pescoço, à medida que o vento sopra serpentinas de gaivotas na direcção de um cais em Peniche. No porto de Peniche morrem sacos de plástico e ruínas de canas entre amarras de barcos e redes de pesca. Além um farol verde e branco a guiar-nos no regresso a casa, o mar por companheiro e o meu olhar a descansar no teu.

16 junho, 2008

horizonte

Uma comenda. Uma comenda que seja. Uma medalhinha a refulgir no peito, sobre o coração gasto. E depois esta existência trôpega a reconquistar a vertical, lenta mas seguramente. Os sulcos a espraiarem-se, para logo desaparecerem numa pele suave e sã. As varizes a retomarem os seus lugares no fundo de um oceano branco, onde até os peixes são pálidos e cegos, adentrando-se na carne em recobro até se esfumarem no cetim das minhas coxas renascidas. Lembro-me do cetim das minhas pernas, um mimo, e as minhas nádegas eram firmes cerros gémeos cindidos por um desfiladeiro negro. Havia até um vale frondoso para o qual pendiam cascatas de óleo de amêndoas doces e eflúvios de peixe fresco na lota. Abróteas, chernes, carapaus e marucas. Tudo misturado em aromas de desejo, uma fome de carne a latejar-me nas têmporas, na jugular, nos bicos das mamas melhores que pêra rocha, no mais profundo das minhas profundas intimidades.
- É com muito gosto, senhora dona Lurdes, que a Presidência da República lhe outorga esta honrosa distinção em latão e cuproníquel – eu de porte altivo num palanque engalanado, sim senhor. – Dê mas é isso para cá e feche essa cloaca, que tenho o guisado ao lume.
Os braços cruzados sobre o cume da barriga. Veste uma blusa castanha. O cabelo é branco, mas de uma alvura entrecortada por sombras de cinza. Mostra-se de óculos escuros, que escondem, é certo, dois olhos muito pequenos, pequeníssimas e estéreis ilhas em lagos de icterícia.
- O Hugh Grant é engraçado, mas não gosto dele. Do Sean Connery gosto. Ainda mais agora do que antigamente. Do Robert Redford também. Mas não agora. Na meia idade. Eles são mais bonitos quando estão na meia idade.
Nas carnes traz uma flacidez redonda de menopausa. Barriga rotunda, os seios duas massas mortas a apontar o umbigo. Calças cremes. Ao lado, um junco vestido de branco e mais além uma cana de bambu ataviada de soja a multiplicar raças e credos à cadência de um tambor de guerra.
- As tailandesas, as birmanesas e as vietnamitas são muito bonitas. Mas eles são tão feios… Onde vi homens feios foi na Coreia do Sul. A Coreia é muito bonita. A Coreia encantou-me.
De forma que não me lembro mais do sabor de uma língua, se me lembrasse juntava o sabor de uma língua a estas notas azedas que escrevo num caderninho de capa parda e a estupidez que me cerca acabaria por se diluir nas chávenas de café. De forma que soçobro neste canto de esplanada, uma mesa e sobre a mesa um copo e no copo um sumo de laranja e no sumo grainhas e nas grainhas eu própria, uma partícula sem significado algum, seca e antiga, uma ruína de árvore em terra queimada.