01 janeiro, 2011

2011

A lfredo Babugem, o profeta da Damaia, começará dentro de dias a trabalhar na invenção de um engenho voador, a que dará o nome de gastrópode celeste, movido a fezes de gato, palha-de-aço e pevides de melão, capaz de transpor a linha do comboio, os torreões do aqueduto, a rotunda e os cruzamentos, os prédios húmidos, uma mulher de robe a sacudir tapetes, os mamilos num sobe e desce de encontro aos carris de alumínio das janelas da marquise, a coberto do feltro, a secura da pele a sumir-se pela manhã fria em grumos de creme Nívea, um precioso diadema de plástico escondido entre meias de vidro na primeira gaveta de uma cómoda, perto de uma caixa de fósforos enfeitada de massinhas e guache, a caixa desliza e revela uma madeixa de cabelo e um dente de leite, uma máquina de lavar roupa alada que aterrará com a suavidade de um dirigível à beira da ruína de um moinho, onde Alfredo escutará em êxtase de oráculo a sinfonia melancólica dos subúrbios, o vento de Janeiro a assobiar em lá menor por entre caixotes de lixo e bengalas em contratempo à porta de um centro de saúde.