28 outubro, 2007

lírio

Descobrir-te no Outono é mel a escorrer dos canteiros do meu bairro, cães sem tecto que ganham asas, juro-te que as vejo romper dos dorsos, e esvoaçam como anjos entre a alvenaria de subúrbio, um caminhar de sacristão em horas proibidas, o vento a ganir frio, como os cães de algeroz em algeroz, e eu do lancil para o alcatrão, do alcatrão para o passeio, avenida acima, uma inclinação a estibordo e os salgueiros sopram-me o teu nome, juro-te que o percebo neste murmúrio da madrugada. É também acordar e apontar ao sofá para recolher um, dois fios de cabelo, e aquietar-me ali mesmo a ver se ainda te adivinho de mão para mão, a ponta do teu dedo a sossegar-me as falanges antes de um enlace de morte doce, encontrar-te longe, tão longe que nem os anjos quadrúpedes em voo elíptico sobre marquises poderiam resgatar-te e devolver-te aos meus braços, cheios de um vazio de trompete no breu do estojo. É demorar-me no beiral de um copo, nas fendas dos teus lábios de uva, e querer nascer, repetir-me até este Outono.

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