16 junho, 2008

horizonte

Uma comenda. Uma comenda que seja. Uma medalhinha a refulgir no peito, sobre o coração gasto. E depois esta existência trôpega a reconquistar a vertical, lenta mas seguramente. Os sulcos a espraiarem-se, para logo desaparecerem numa pele suave e sã. As varizes a retomarem os seus lugares no fundo de um oceano branco, onde até os peixes são pálidos e cegos, adentrando-se na carne em recobro até se esfumarem no cetim das minhas coxas renascidas. Lembro-me do cetim das minhas pernas, um mimo, e as minhas nádegas eram firmes cerros gémeos cindidos por um desfiladeiro negro. Havia até um vale frondoso para o qual pendiam cascatas de óleo de amêndoas doces e eflúvios de peixe fresco na lota. Abróteas, chernes, carapaus e marucas. Tudo misturado em aromas de desejo, uma fome de carne a latejar-me nas têmporas, na jugular, nos bicos das mamas melhores que pêra rocha, no mais profundo das minhas profundas intimidades.
- É com muito gosto, senhora dona Lurdes, que a Presidência da República lhe outorga esta honrosa distinção em latão e cuproníquel – eu de porte altivo num palanque engalanado, sim senhor. – Dê mas é isso para cá e feche essa cloaca, que tenho o guisado ao lume.
Os braços cruzados sobre o cume da barriga. Veste uma blusa castanha. O cabelo é branco, mas de uma alvura entrecortada por sombras de cinza. Mostra-se de óculos escuros, que escondem, é certo, dois olhos muito pequenos, pequeníssimas e estéreis ilhas em lagos de icterícia.
- O Hugh Grant é engraçado, mas não gosto dele. Do Sean Connery gosto. Ainda mais agora do que antigamente. Do Robert Redford também. Mas não agora. Na meia idade. Eles são mais bonitos quando estão na meia idade.
Nas carnes traz uma flacidez redonda de menopausa. Barriga rotunda, os seios duas massas mortas a apontar o umbigo. Calças cremes. Ao lado, um junco vestido de branco e mais além uma cana de bambu ataviada de soja a multiplicar raças e credos à cadência de um tambor de guerra.
- As tailandesas, as birmanesas e as vietnamitas são muito bonitas. Mas eles são tão feios… Onde vi homens feios foi na Coreia do Sul. A Coreia é muito bonita. A Coreia encantou-me.
De forma que não me lembro mais do sabor de uma língua, se me lembrasse juntava o sabor de uma língua a estas notas azedas que escrevo num caderninho de capa parda e a estupidez que me cerca acabaria por se diluir nas chávenas de café. De forma que soçobro neste canto de esplanada, uma mesa e sobre a mesa um copo e no copo um sumo de laranja e no sumo grainhas e nas grainhas eu própria, uma partícula sem significado algum, seca e antiga, uma ruína de árvore em terra queimada.