25 setembro, 2008

elegia

Inácio catapultava-se todas as madrugadas de um colchão prenhe de sordície para uma bacia de alumínio. Navalhava então o queixo com os olhos desmaiados de encontro a um fragmento de espelho aposto a uma ruína de ladrilho vidrado. Eram assim as madrugadas de Inácio, cantoneiro da Junta de Freguesia de Queluz e amante de bicos de lacre e canários. Inácio masturbava-se após o almoço num barracão com vassouras de galhos e caixotes de lixo. Imaginava os seus rins entre as tenazes que seriam as coxas de Anabela, amanuense na repartição de finanças e amante do vizinho do segundo esquerdo, que vendia bilhetes de lotaria à porta da pastelaria Quadriga. O pai e a mãe de Inácio conceberam-no na posição do missionário. Enquanto o pai de Inácio movia os quadris para cima e para baixo, a testa da mãe de Inácio enrugava-se de aborrecimento. Depois de ejacular, o pai de Inácio limpou a testa a um extremo do lençol e caiu varado por um enfarte do miocárdio. A mãe de Inácio completou as palavras cruzadas do jornal da véspera antes de telefonar para os bombeiros voluntários.