08 agosto, 2019

Lúcia


Portão. Ferro consumido pela morrinha de manhãs de Outono. Eu. Um caminhar hesitante entre ciprestes e sobre a gravilha de um caminho que aponta à capela do cemitério. À esquerda a miniatura de uma campa e em redor um par de brinquedos de plástico consumidos pela morrinha de manhãs de Outono, um triciclo e um balde de praia. Um livro aberto em pedra. Eterna saudade a cinzel. À direita jazigos. Espreita-se e adivinha-se rendas, arranjos de flores mortas como o teor dos esquifes que preenchem estantes, fotografias a sépia, castiçais esquecidos. Adiante degraus. Em plano inferior, terra revolvida. O cheiro a humidade da morrinha das manhãs de Outono. Sobre o triângulo escaleno de terra, uma ruína de cravo. Um, dois, três corredores de alcatrão ladeado por calçada. À esquerda. Depois à direita. O topo de um cipreste, no topo de gavetas de ossos, no topo de uma colina a sobrepujar Queluz. E a tua fotografia à altura dos meus joelhos, antes de estes se desmoronarem no sentido do lancil. Antes de tudo isto havia uma vida que consistia numa cafeteira ao lume, numa lata com bolachas, num canário a imitar flautas à entrada da marquise, nas tuas mãos a remirem-me das dores de crescimento com álcool etílico ao longo das tíbias, ao que se seguia um sopro gentil como a morrinha de manhãs de Outono, num pregar de botões, numa torre de panamás destinados a um colégio, num par de óculos abandonados no sofá. Eu. A tua estação terminal neste rectângulo de mármore. Portão fechado.