07 novembro, 2007

altar

Adelino trocou as mãos por garras de jaguar com a mesma prontidão com que retesou as bochechas e os lábios num sorriso de palhaço pobre, um rubor de vinho tinto a imitar pigmentos de camarim e pálpebras a ameaçar uma explosão de lágrimas e sangue – o que o confinaria, é certo, a um canto esquálido da serralharia, altar improvisado. Adelino choraria então milagres de compota, amiúde polpa de tomate, ao que os seus amigos e devotos responderiam com oferendas de maçãs reinetas, uvas e diospiros em travessas de estanho, testos de barro preto e calhas de alumínio. Adelino levantaria uma das patas de felino numa continência de alferes em horto minado, abençoando varicoses, chagas de silvas e adenóides embargados. A serpentina de gente perder-se-ia para lá dos cumes do Açor, estradas e carreiros seriam veios de aflição e os demónios tombariam esconjurados com um sorver de babas celestiais.
Mas Adelino prefere adernar em cais de folha e fórmica, praticar o milagre do fígado e da locomoção bípede, a ansiar o dia em que a desordem cósmica dos alambiques possa devolvê-lo ao abraço complacente da morte, as mãos enfim livres e o rosto carregado de verdade triste.

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