19 março, 2009

konnichiwa

Uma lente oblíqua, no extremo de uma haste em filigrana, desliza gloriosa pelo algeroz do nariz. Retalhos de polegares no vidro da lente, a sobrepujar a íris verde de um olho de roedor. Um indicador compõe uma e outra vez, talvez fosse melhor escrever sempre, talvez fosse melhor apontar ao balcão da pastelaria Estrela e mastigar o chocolate herege na cobertura de um mil-folhas, mas escrevia há instantes que um indicador compõe uma e outra vez a lente e com ela a haste como lava incandescente septo nasal abaixo, de encontro à falda de uma narina húmida e carmesim, ao que consta por causa de um suão marroquino que sai em gorgolejo de uma grelha de ar condicionado.


- É do ar condicionado, sabem? – e ambas as narinas transpiram seiva translúcida, ambas as narinas se dilatam rubras como cachos de cerejas japonesas, não se dá o caso de as cerejas japonesas serem mais carnudas do que, por exemplo, as cerejas de Trás-os-Montes, todavia sucede que as cerejas que agora me ocorrem ressumam de árvores que choram delicadas no templo de Tenryu-ji, cerejeiras que a gueixa que tenho o hábito de trazer aninhada na hipófise me diz chamarem-se shidare-zakura. Não aqui, não este gabinete com esta balança. Uma pensão em Osaka. Uma pensão com águas quentes e frias em Osaka. Uma pensão com águas quentes e frias e um quimono de seda num cabide em Osaka. Uma pensão com águas quentes e frias, um quimono de seda num cabide e um mil-folhas sobre a mesa de cabeceira em Osaka.