24 janeiro, 2013

crónica da azia


O filho da puta insinua-se gelatinoso como uma salamandra entre seixos de um rio. Anuncia-se doutor. Franqueia portas. Escorrega pelos gabinetes. Serpenteia nos corredores. O filho da puta estudou nos melhores colégios e aos fins-de-semana distribuiu chocolates em sanatórios prenhes de velhos gemebundos e odores de amónia. Certa vez, atente-se bem nisto, chegou a dispor pacotes de arroz em caixas de cartão. Para os pobrezinhos, caralho, para os pobrezinhos... A caridade e o despojamento são virtudes de qualquer filho da puta de pundonor. Integrou, com demais filhos da puta, a juventude partidária. Primeiro a secção, depois a distrital, por fim a sede nacional e, já em regime de posfácio, o entre-nádegas do líder. De permeio licenciou-se. Obteve o grau de mestre na ablação de escrotos. O filho da puta foi a deputado, depois a secretário de Estado, por fim a ministro e, uma vez alcandorado à cintilante galeria dos senadores da República, a roçar a eternidade dos almanaques, escreveu o artigo de opinião que num único rodopio da caneta decapitou, pela ordem que se segue, o governo, o partido, os serviços secretos, a paróquia, o orfeão e o condomínio. Administrou o banco público. Também a sociedade de advogados. Morreu após o almoço a esfocinhar nas mamas da estagiária.