01 janeiro, 2009

sinfonia de gelatina com pêssegos

Os olhos viajam do azul para o cinzento com uma doçura de nuvem a insinuar-se num céu de subúrbio, a sobrepujar um vulcão de ladrilhos num carrocel de automóveis, da cor para a textura com a precisão das obras de arte, de um êxtase de menina diante de uma caixa de chocolates para a melancolia de um vazio que não se pode preencher, de um halo de bondade sobrenatural para uma chamazinha de vela a acender tornozelos, sandálias e bordões de santinhos em pagelas, de uma altivez de sala hipostila para uma singeleza de retratos, bordados e caixas de plástico com carne assada e fatias de bolo de ananás, de um sorriso que nos lava a tibieza e as ausências para um esgar de justiça que perdoa sem absolver, de um abraço que cheira a amor para uma chama de saudade que arde numa mão inquieta sobre a mesa.
- Tenho tantas saudades de Angola – repete. E os olhos perdem-se em distâncias impossíveis, embondeiros e manadas de elefantes, o corpo franzino maior do que a vida a crescer em frescura e juventude, em paixão e calor, a regressar no dorso de um jipe a um rés-do-chão na Amadora que o amor transforma em palácio de cristal, para retomar a coreografia do punho e dos nós dos dedos na cadência dos sábios, três vezes para diante, três vezes a recuar, três vezes para diante, três vezes a recuar. – Deita aqui a cabeça, prometo que não te despenteio – e eu a pedir-lhe em silêncio que me despenteie, que me salve de abismos e da maldade dos outros com um carinho de avó, as pernas um leito de claras em castelo e o cabelo branco um baldaquino de seda do Oriente.