17 setembro, 2009

vasco da gama

Este Setembro é uma gaivota longínqua a franquear as chaminés de Sines. Anuncia-se tímido por entre o cordame de um veleiro esquecido no torpor dos molhes. Ainda tenta mostrar-se rijo, a imitar queixos de pescadores no cais de uma taberna. Mas desfaz-se daí a nada. Tomba à sombra das muralhas. Quando torna a erguer a cabeça é já um doente renal em doce declínio num catre de alcatrão e lagoas desordenadas de empedrado e areia suja. Rua João de Deus. Largo do Castelo. Um homem de olhos transparentes e camisa puída, o mesmo que dispôs automóveis como uma estrela exânime na sua jornada sideral, uma gratidão resignada na mão estendida, sonoros borborigmos de desespero ao contemplar o latão de uma moeda de vinte cêntimos a fulgir como o bricabraque de plástico numa loja de chineses. Agora despede-se do terreiro. Sozinho, leva nas retinas um lume de heroína, uma vaga memória de pés descalços na areia molhada, do terno hálito da mãe após um beijo na testa e do cheiro a mar no pescoço do pai, a cabecear de sono puro no colo quente. Isso e o prenúncio do Outono.
- Só temos isto para lhe dar - e a moeda pinga para a palma escalavrada como uma gota translúcida de placebo.
- Muito Obrigado. Não faz mal. Muito obrigado. Muito obrigado.