16 novembro, 2009

janelas de alumínio

O problema, senhor doutor, verifica-se quando lhe procuro os calcanhares a meio da noite e os encontro frios como há um par de dias, a jazerem como pedras no extremo do colchão apesar da flanela morna, apesar desta calidez de maçã reineta acabada de assar que trago entre as virilhas, apesar de ter pintado as unhas de vermelho sangue de boi, nem queira saber, senhor doutor, o que ele escoicinha quando eu pinto as unhas de vermelho sangue de boi, a afundar o nariz na minha orelha enquanto me segreda nomes feios, sua isto, minha aquilo, a menina portou-se tão mal e outras idiotices, por vezes pede-me que o chame de Eduardo, ele que se chamava Augusto, imagine-se, nunca quis saber porquê com medo de uma resposta que eu conhecia sem nunca a ter escutado, certa vez começou a guinchar, Deus me perdoe, como um porco de criação a arrojar-se-me de encontro às nádegas, sua isto, minha aquilo, e eu a pensar na sopa de feijão ao lume, senhor doutor, juro-lhe que na órbita da colher de pau na sopa de feijão ao lume encontrava uma paz de ciprestes tocados a vento de cemitério, era para aí que os grumos me levavam numa felicidade de abandono, mas há um par de dias que lhe procuro os calcanhares a meio da noite e os encontro frios, pelo que creio, não tenho a certeza, que morreu, apesar dos olhos apontados ao lustre, apesar da mão a fazer força sobre o peito, apesar de ainda o ouvir a chamar-me, tu aí anda cá, de ainda o sentir a designar-me com o queixo, debruçado para os amigos a um canto do café da praceta, aquela ali é a minha mulher, uma chata, abre as pernas amiúde sem grande arte, mas faz uma sopa de feijão que me acalma estas fúrias de licantropo, este ímpeto de a fechar na arrecadação para lhe experimentar os vestidos e as saias, as blusas de cambraia e as meias de vidro, os corpetes e as estolas, os sapatos e os colares cuidando que ela jamais desconfiará.