14 maio, 2008

laranja (um)

Este temor resignado prepara-se a partir de ansiolíticos, antidepressivos e opressões no tórax, mais ou menos a meio, numa linha vertical que vai do umbigo ao pomo de Adão. Junte-se-lhe uma dor difusa que se enrosca no esófago num serpentear oleoso e uma combinação de sístoles e diástoles hesitantes. Digamos que pouco convictas. Digamos que a agitar a ameaça de greve. Digamos que a pedir outra ponte de comando que não a minha, onde todos, do comandante ao grumete, evitam o leme. Escalda. O leme. Envolver tudo. Polvilhe-se pepitas de chocolate amargo sobre a massa, que por esta altura deverá apresentar uma tonalidade amarelo-cobardia e a consistência de uma refeição de tentilhão jovem. Levar ao frigorífico. Para solidificar.
Pode ser que amanhã acorde em Assuão, depois de uma sesta morna no landau lascado de Ali. Ali era um puto tisnado e a estalar de esperteza. Onde pára Ali por estes dias? Chefiará mujahidines em Kandahar? Terá copulado com a sua noiva púbere de cotovelos fincados num tapete persa, as retinas de corvo a descreverem piruetas de prazer? A ponta da língua a despontar dos lábios agora aqui, depois ali, conforme as nádegas agora acima, depois abaixo. Agora acima, depois abaixo. Abaixo. Abaixo a boca áspera e seca. Abaixo o sedativo e o comprimido sob a língua, o torpor e o electrocardiograma, a torneira de plástico azul cravada no braço e o sorriso complacente de um médico de ébano.
- Hoje não é dia de morrer.

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