09 janeiro, 2006

a casa fria (dois)

A tarde do meu domingo morre de velhice nas calhas de alumínio da marquise, o terraço do meu palácio aqueménida. Como a aldrava da porta - um morrer de ruína. Nos passeios da minha praceta prospera o verde oliva dos caixotes do lixo e acotovelam-se turistas em cachos coloridos de panamás, o clique-clique das máquinas fotográficas na direcção da minha sala hipostila e do anjo de gesso que retouça num globo; as demais onomatopeias de cães réprobos e lá no alto, quinto andar, as janelas abrem-se num fastígio de comício e o pó liberta-se de um pano que agito num aceno de doméstica. Aquela ali, de cabeça redonda e sorriso elíptico, sou eu. Hoje fujo daqui - os sacos de supermercado esbodegam-se em maçãs reinetas, pevides e pinhões sobre a mesa da cozinha. E os choupos despidos do jardim de Queluz são ciprestes de Chiraz; e Persépolis é um carrocel de faróis na rotunda e uma praceta de prédios ladrilhados, um castelo de miséria e fibrocimento no cume de um monte e um samba-canção imigrante na cave de uma taberna.

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